Era sábado de Carnaval, em fevereiro deste ano, e o deputado federal Elmar Nascimento (União Brasil) circulava à vontade pelas dependências do Palácio de Ondina, residência oficial dos governadores da Bahia habitada por petistas desde 2007.
Ao lado do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP), ele visitava o governador Jerônimo Rodrigues (PT). As fotos mostram um Elmar sorridente e abraçado a adversários, um deles com uma camisa vermelha com a estrela do PT.
Mais que um ato de cortesia, a visita ao Palácio de Ondina alicerçou uma ponte entre Elmar e a cúpula do PT baiano. Por outro lado, abriu um flanco de atritos com um de seus principais aliados: o ex-prefeito de Salvador e vice-presidente nacional da União Brasil, ACM Neto.
Potencial candidato à presidência da Câmara dos Deputados em 2025, Elmar trabalha para consolidar o apoio de Arthur Lira e tenta costurar uma aliança ampla. Para isso, tem evitado embates na relação com o governo Lula (PT) e se aproximou do ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT), um antigo adversário que governou a Bahia de 2015 a 2022.
Na Bahia, deixou de lado a postura de oposição aguerrida, pisou no freio das críticas e tem feito acenos ao governador Jerônimo Rodrigues.
Deputados estaduais aliados de Elmar também baixaram o tom: votam a favor de projetos de interesse do governo na Assembleia Legislativa e até participam de solenidades com o governador em cidades do interior baiano.
A postura irritou a cúpula da União Brasil na Bahia e o ex-prefeito de Salvador, que tem feito dura oposição ao governador nos últimos meses. Derrotado nas eleições para o governo baiano em 2022, ele se prepara para concorrer novamente ao cargo em 2026.
Na semana passada, a Executiva estadual da União Brasil se reuniu e fechou questão para votar na Assembleia contra um pedido de empréstimo de US$ 400 milhões, equivalente a R$ 2,1 bilhões, feito pelo governador.
Na mesma reunião, ficou decidido que os deputados estaduais que não seguissem a orientação do partido poderiam ser punidos com a perda de recursos do fundo eleitoral do partido.
Elmar reagiu à decisão da Executiva Estadual e classificou como uma ameaça a promessa de cortes de recursos: “Acho que não se constrói partido na base da intimidação e ameaça. Prefiro sempre o diálogo”, disse o deputado em entrevista ao site Política Livre.
A decisão foi tomada após deputados estaduais ligados a Elmar –Marcinho Oliveira e Júnior Nascimento, ambos da União Brasil– terem votado a favor de outro empréstimo pedido pelo governador em março. A divergência causou mal-estar e críticas na bancada de oposição.
Deputado em primeiro mandato, Marcinho Oliveira é umbilicalmente ligado a Elmar e teve suas bases eleitorais irrigadas com emendas e equipamentos por meio da Codevasf, órgão federal controlado pelo aliado. Júnior Nascimento, por sua vez, é primo de Elmar.
Marcinho Oliveira também tem participado de atos políticos ao lado de Jerônimo Rodrigues em cidades do inteiro. No ano passado, durante a inauguração de uma escola, elogiou o republicanismo do governador e disse não torcer por um cenário de “quanto pior, melhor.”
Em entrevista à Folha de S.Paulo, ACM Neto disse que tem uma relação de amizade com Elmar Nascimento e minimizou as divergências entre ambos.
“Elmar está fazendo um trabalho na Câmara para construir um caminho mais amplo. De forma correta, ele não quer se colocar como adversário do governo em Brasília. Mas, na Bahia, somos oposição ao PT, não há dúvida quanto a isso”, disse o ex-prefeito de Salvador.
Ele afirmou que divergências são naturais, mas destacou que estas não terão impacto no plano nacional. “Elmar é o nosso candidato à presidente da Câmara, faz parte do nosso grupo político. Vamos contribuir para que ele possa se fortalecer.”
O ex-prefeito também defendeu a decisão de votar contra o empréstimo e disse que o fechamento de questão em torno de determinados temas faz parte do jogo político. Negou que haja ameaça ou autoritarismo na medida.
Líderes petistas, contudo, endossaram as críticas ao ex-prefeito. Em entrevista à rádio Metrópole, Jerônimo Rodrigues disse que a decisão do União Brasil punir deputados que votarem com o governo é “a fotografia do chicote”. O senador Jaques Wagner (PT) disse ACM Neto tem práticas políticas antigas.
Procurado na semana passada, Elmar não atendeu às ligações nem respondeu às mensagens da reportagem.
Aliados de Elmar e ACM Neto dizem que o cenário de divergência entre ambos deve perdurar ao longo dos próximos anos diante do conflito de interesses.
De um lado, Elmar deve se aproximar ainda mais do governo federal e, caso seja eleito sucessor de Lira, deve apoiar a reeleição de Lula.
ACM Neto, por outro lado, atua para construir um projeto nacional à direita que passa pelos nomes dos governadores Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo, e Ronaldo Caiado (União Brasil), de Goiás.
Em seminário na Fundação FHC na última terça-feira (21), ele disse que a direita precisa ampliar seu apelo para além do bolsonarismo ou perderá novamente a eleição presidencial em 2026.
A despeito da aproximação de Elmar com o PT da Bahia, uma adesão do deputado ao governo petista na Bahia é vista como improvável.
O principal obstáculo seria a trajetória de mandatos na oposição ao PT na Bahia e o congestionamento de caciques na base governista, que inclui nomes como o ministro Rui Costa e os senadores Jaques Wagner e Otto Alencar (PSD).