Enfrentamento constante do racismo na carreira deixa profissionais doentes, dizem especialistas.
O forte enjoo e dores no estômago eram diários, mas eles só apareciam em um momento específico do dia: a hora de ir para o trabalho.
Juliana Gonçalves estava sofrendo sem saber um processo de esgotamento mental, ou burnout.
A origem do problema, diz ela, eram as constantes situações de racismo que ela percebia em seu ambiente de trabalho por ser negra.
“Falas minhas eram ignoradas enquanto colegas que reportavam o mesmo fato eram ouvidos. Soube de colegas brancos no mesmo nível hierárquico que eu, com menos qualificação acadêmica e experiência ganhando muito mais que o meu salário”, conta a jornalista carioca, de 33 anos.
Juliana diz que isso a afetava como poucas outras situações. “Eram microagressões tão doloridas quanto atos escancarados. Quando você percebe que tem uma questão racial, a coisa te atinge de outra forma. Nao é só questão de trabalhar a mais, é estarem te enxergando como alguém que não merece estar ali”, relata.
Isso a deixava com um constante medo de ser demitida e a levava até a pensar que havia sido contratada “para cumprir cota”. Para compensar, acabou criando o hábito de trabalhar além da conta.
“Trabalhava de 8h da manhã às 23h da noite para provar que eu merecia estar ali, não tinha um horário fixo pras minhas refeições, trabalhava final de semana e feriados. Ficava com medo de tirar férias. Negligenciava minha saúde para tentar provar que era boa.”
Os sintomas sentidos por Juliana são comuns ao burnout. O psicólogo Lucas Veiga explica que esse tipo de esgotamento se caracteriza como uma estafa física ou mental.
“Podem aparecer até mesmo dores musculares ou questões como a síndrome do intestino irritado. O nosso aparelho digestivo é responsável, também, pela digestão das nossas emoções. E quando a gente está sofrendo constantemente emoções dolorosas que causam ansiedade, isso também está sendo digerido”, explica Veiga, que é especialista em questões raciais.